Tina Sabounati dá voz às mulheres iranianas

Tina Sabounati vivia na Alemanha como refugiada e chegou a Lisboa há uns meses. É a líder do movimento de apoio à luta das mulheres iranianas. Mãe solteira, luta pela mãe, pelas amigas e pelo seu desejo de regressar a casa. Tina não pode voltar ao Irão por ter tido um filho com um homem não muçulmano. “Isso dá prisão”.

Tina Sabounati dá voz às mulheres iranianas

O povo iraniano está em protestos desde o final de setembro, como reação à morte de Mahsa Amini, de 22 anos, jovem curda que tinha sido detida pela polícia da moralidade por alegado uso incorreto do hijab, o véu islâmico.

“Mahsa representa três aspetos que o poder detesta: mulheres, jovens e uma minoria étnica, os curdos”, explica Tina.

Asra Panahi, uma jovem de 16 anos, espancada até à morte por se recusar a cantar um hino pró-regime na escola. Desde o início dos protestos já morreram, pelo menos, 27 crianças.

Sabounati diz que jamais imaginou assistir ao que está a acontecer no Irão. Não consegue conter as lágrimas quando fala sobre as jovens mortas pela polícia.

 

Tina comove-se porque sabe que podia ter sido uma das vítimas, e porque foi por esses motivos que a sua mãe fugiu do Irão em 1986. Tina tinha apenas cinco anos e o irmão nove meses quando chegaram à Alemanha para crescer num campo de refugiados.

No início de novembro, Tina Sabounati deu uma entrevista ao jornal online Mensagem onde relata alguns acontecimentos passados e explica tudo o que se está a passar.

Uma “revolução” a acontecer

Tina recorda o dia em que deixou Teerão, há 36 anos: “A minha mãe disse-me que íamos só passar férias. Mesmo assim, achei estranho insistirem muito para me despedir da família, sobretudo da minha avó.”

A mãe de Tina foi uma das muitas iranianas que saiu à rua em 1979 contra a monarquia absoluta. Parte do país queria uma democracia plena, um sonho que hoje guia os iranianos. Ela estudou Finanças e ocupava um prestigiado cargo num banco iraniano. “Lembro-me de ver fotografias da minha mãe no Irão, antes da revolução, com mini saias”, recorda. “Quando a minha mãe me teve, aos 27 anos, já era dona de dois apartamentos na capital. O meu pai tinha um bom emprego, numa companhia de seguros, mas era a minha mãe quem mandava em casa, quem ganhava mais”, recorda Tina ao jornalista João Damião.

Tehran university students in 1971

 

Tudo mudou com a República Islâmica: “Coisas que em Portugal são normais e que cada um pode fazer quando quiser são proibidas no Irão, como andar de bicicleta. Uma mulher não pode fazer check-in num hotel ou sair do país sem autorização do chefe de família, homem”, explica Tina.

No Irão, perante um divórcio, os filhos aos sete anos passam automaticamente para tutela do pai. Num tribunal, um testemunho de uma mulher vale sempre metade da palavra de um homem. “São precisas duas para igualar o testemunho.”

Tina cresceu na Alemanha, viveu um ano nos Estados Unidos, uns tantos em Londres e na África do Sul. “É o retrato de alguém que está sempre à procura de um sítio que chame casa. Sempre me senti estrangeira a vida toda e tive de crescer sem o meu pai – e era a menina do papá”.

Por força da requisição civil, imposta durante a Guerra entre o Irão e o Iraque, de 1981 a 1988, o pai de Tina não pôde acompanhar a família até à Europa. “Só nos encontrámos sete anos depois. É muito tempo para manter um casamento, quando nem sequer havia internet”, conta. Os pais voltaram, cada um, a casar.

Hoje, Tina sonha em regressar ao Irão, “mal o regime caia”.

 

Ainda assim, Lisboa dá-lhe uma sensação de “paz”. “Queria dar um lar ao meu filho, já que não podemos regressar ao Irão”, conta. “De entre todos os países europeus, Portugal é onde sinto que exista menos racismo, quando comparado com a Espanha ou Itália. Mas claro que há racismo em todo o lado.”

Em Lisboa há três meses, Tina, que estudou Direito e trabalha em Marketing, divide o tempo entre o trabalho, a vida de mãe solteira e o ativismo. Um pouco por todo o mundo, os iranianos estão a assumir espontaneamente o papel de ativistas para “sensibilizar a comunidade internacional da revolução que está em curso no país”.

Lisboa não é exceção.

Portugal é importante, lembra Tina Sabounati. “Este é o país do secretário-geral da ONU.” Por isso, com a comunidade iraniana lisboeta, Tina organiza protestos em frente à embaixada iraniana, escreve cartas a políticos e dá conferências.

“Todos somos feministas”

Susie, amiga de Tina, que também trocou a Dinamarca por Lisboa há quatro meses, diz que vai por gosto aos protestos “Afinal, somos todas feministas, temos o direito de escolher o que usar – e isso não está a ser respeitado.”

No protesto em Lisboa, no Rossio, a 1 de outubro, reuniram-se mais ou menos 350 pessoas em frente à embaixada iraniana em Lisboa. “A comunidade iraniana em Lisboa é pequena, mas muito ativa”, diz Tina.

Em mente, têm todos o frustrado “Movimento Verde” de 2009, o último grande confronto com o regime. Durante meses, milhares de pessoas saíram às ruas do Irão para contestar a vitória de Mahmoud Ahmadinejad nas eleições.

O “silêncio do Ocidente” contribuiu para o fracasso político de 2009-2010. Desta vez, Tina não tem dúvidas: “As pessoas querem outro regime. Querem democracia”. Para isso, “estamos dependentes do mundo, os poderes internacionais têm de intervir”.

Porquê o Irão?

Nos protestos em Lisboa e em outras cidades mundiais, os manifestantes usam uma bandeira diferente da República Islâmica. Usam a versão antiga com o Leão e Sol ou apenas a versão tricolor, com o vermelho, branco e verde sem o símbolo islâmico no centro.  “Os iranianos sentem que o Islão não é a sua cultura original”, diz Tina Sabounati.

Foto Murad Sezer /REUTERS

 

Tina evoca razões históricas para explicar o que está a acontecer no país. O território que hoje é o Irão foi alvo de islamização no século VIII.

“A nossa cultura original é persa. Os principais feriados não são islâmicos, são o Ano Novo persa, por exemplo.” E o Irão é um dos países do mundo islâmico onde não se fala árabe – a língua é aborígene, o Farsi.

Mas isto “não é uma guerra contra o Islão”, diz Tina. “Nas ruas, estão mulheres sem e com o hijab, porque o que está em causa é a liberdade de escolha. A mulher é que decide se respeita ou não os preceitos religiosos. Também está errado proibir o uso do véu, como se discute em França.”

Fonte: Mensagem de Lisboa, por João Damião

 

HERSTORY Makes History 10, Novembro 2022